terça-feira, 19 de novembro de 2013

Raimunda Monteiro, nova reitora da UFOPA, fala sobre desenvolvimento regional sustentável


Raimunda Nonata Monteiro acaba de ser eleita neste dia 18/11/2013 como a primeira reitora 
escolhida democraticamente na Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, que neste 
mês completou quatro anos de implantação. Ela é graduada em Comunicação Social (1990) e 
doutora em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará 
– UFPA (2003). Nascida em Santarém, no Pará, Raimunda Monteiro tem um olhar especial 
sobre a Amazônia, dando um enfoque sobre o papel desta região nesse debate. Conheça um 
pouco de sua trajetória de vida e o que ela pensa sobre o desenvolvimento regional, dando 
enfoque para as questões ambientais e econômicas.  


Inicialmente, gostaria de saber um pouco sobre sua trajetória de vida, onde a Sra. nasceu e viveu a maior parte do tempo?
Eu nasci no lago do Maicá, aqui mesmo em Santarém. Sou filha de seringueiros. Sai daqui para estudar e depois de uns anos voltei. Já andei muito. Fui criada por um tio que foi funcionário do Banco da Amazônia, que nos anos 70 e 80 se acomodava a todo um projeto desenvolvimentista dos militares. Então, de certa forma, minha trajetória junto com minha família acompanhava os ritmos do desenvolvimento e as locações eram determinadas pelo fluxo de demandas por crédito. Passei por Marabá, Maranhão, Goiás…
Sua formação acadêmica inicial foi em jornalismo, mas fez seu mestrado na área de desenvolvimento sustentável e seguiu no doutorado nesta mesma linha. Como surgiu seu interesse por estes campos de estudo?
Minha primeira opção pelo jornalismo, foi porque eu tenho uma paixão pelo texto, pela informação. E as pós-graduações foram resultado de um engajamento mais amplo em função da minha trajetória de vida, de uma imersão política nos movimentos sociais nos anos 80 e 90. Participai na minha juventude do processo de organização sindical, da corrente sindical trabalhadores rurais unidos em Santarém, e até hoje eu tenho uma ligação de reflexão muito forte tanto aqui como com os movimentos sociais da transamazônica e xingú. E esse engajamento foi me despertando para questões mais profundas sobre as quais eu não queria apenas repassar informações, eu queria também influenciar diretamente. Então, o mestrado e o doutorado do NAEA (Núcleo de Altos Estudos da Amazônia) estavam mais próximos da minha realidade e faziam as discussões que eu considerava adequadas para os problemas da Amazônia naquele momento, como os problemas da agricultura familiar, da violência no campo no Pará, os grandes projetos que chegavam.
Além da área acadêmica e dos movimentos sociais, a Sra. teve também funções públicas, em órgãos de governos estaduais e federais. Quais foram essas experiências?
Em Brasília fui assessora da comissão de agricultura na câmara, em 95 e 96, e foram exatamente os anos que eu decidi não seguir a carreira de jornalismo. Porque, foram anos muito intensos em violência agrária na Amazônia. Então caiu nas minhas mãos, por exemplo, a tarefa de pautar para a imprensa nacional, o massacre de Corumbiara, vários assassinatos de trabalhadores no sul do Pará, e depois, o próprio massacre de Eldorado de Carajás.
Foram fatos de grande impacto que me fizeram pensar que seria difícil seguir como informante, reportando esses fatos, sem ter um engajamento maior. Então, a partir daí, eu assumi a coordenação de um programa de crédito para extrativistas dentro do antigo CNPT – Conselho Nacional de Populações Tradicionais no Ibama, que foi um trabalho muito interessante na Amazônia inteira. Em seguida em fui coordenadora do PDA – Projetos Demostrativos para a Amazônia e Mata Atlântica. No governo federal, eu coordenei o Fundo Nacional do Meio Ambiente. E no governo Ana Júlia, eu fui líder do grupo que criou o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará, encarregado de ordenar o uso das florestas estaduais.
Então, esses cargos públicos, foram interessantes por que uma vez no poder público a gente pode colocar em prática, embora timidamente, devido as vezes a baixa capacidade de influenciar, mas pelo menos demonstrar possibilidades bem interessantes em relação a um modelo de desenvolvimento em bases sustentáveis.
A questão das mudanças climáticas está cada vez mais em evidência no mundo e aqui no Brasil também, especialmente com a realização da Rio + 20, em 2012. A senhora produziu um trabalho que apresenta um cenário sobre como está se tratando este tema no Brasil, e aponta que o país tem tido um papel de destaque. Por quê?
Bem, o Brasil, a partir principalmente da cúpula dos povos, em 1992, já inspirado em grande medida no processo de democratização que a constituição de 1988 consolidou, permitiu esse protagonismo ao país. A democratização do país, o fortalecimento dos movimentos sociais, a criação de uma massa crítica, foram fatores que se combinaram para que a questão ambiental emergisse nos anos 90 no Brasil e envolvesse a sociedade. Os movimentos sociais que lutaram contra a ditadura agora traziam o ingrediente ambiental para sua pauta política. Isso fortaleceu uma capacidade de influência da sociedade que empurrou os governos a assumirem e avançarem nos seus compromissos pactuados entre os países, a partir de Eco 92. E creio que o protagonismo que o Brasil tem hoje vem deste contexto político. Se a sociedade não houvesse se mobilizado, dificilmente o país se destacaria nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas.
No seu estudo a senhora diz que o Brasil ainda necessita de pesquisas que respondam de maneira mais contundente às mudanças climáticas e à relação dessas mudanças com os eventos extremos que estão ocorrendo aqui, como sendo de fato consequência do aquecimento global. Então, que bases o Brasil possui em relação às mudanças climáticas?
A parte da pesquisa, o embasamento científico das mudanças climáticas, vejo como algo dinâmico. Por exemplo, o Ministério da Ciência e Tecnologia está investindo em pesquisas para dar suporte ao desenvolvimento de conhecimentos nessa área no país, para articulação dos cientistas brasileiros nas redes internacionais. Enfim, acho que isso caminha bem. O que eu acho que demonstra um comprometimento maior do Brasil é o arcabouço institucional que o país criou para articular as ações públicas nesse sentido. Temos, por exemplo, a política nacional de mudanças climáticas. Dentro dela, temos os pactos formados com os setores considerados mais impactantes em emissões de gases do efeito estufa (GEE). Em dezembro de 2011 o Ministério do Meio Ambiente concluiu os pactos setoriais pela redução nos diversos setores, como transportes, indústria, e até o agronegócio. Busca-se um comprometimento dos segmentos que emitem gases do efeito estufa. Isso cria um arcabouço interno no país que dá condições para se pensar em políticas estruturantes, já na perspectiva das reduções de emissões, ajudando no compromisso que o Brasil assumiu de redução em torno de 38, 9% das emissões de GEE até 2020. Porém, eu vejo limites, ligados às vontades políticas de um ou outro governo de manter essas políticas vivas e a sociedade monitorar.
E nesse contexto em que tivemos a Rio + 20, como o país ficou entre o que já vinha construindo e o que resultou da conferência?
Um dos maiores avanços para o Brasil com a Rio + 20 foi o pacto das maiores cidades, porque são as cidades que poluem, são cidades que são referência, que influenciam em políticas globais. As cidades fizeram um acordo nesse sentido, representando um avanço e um engajamento de grandes players, grandes agentes. Do ponto de visto dos temas do desenvolvimento sustentável, que são mais amplos do que mudanças climáticas, pois entra pobreza, economia, nós tivemos retrocessos porque não ficaram expressos os compromissos.
Nem dos governos centrais, nem de governos que já tinham um papel mediano nessas relações. A Rio +20 remeteu para instâncias técnicas a continuidade da construção das propostas. Nesse sentido, houve um esvaziamento político em nível global, agravado por um contexto de crise internacional, em que os países estavam mais preocupados com seus problemas econômicos. Após a Rio + 20 a questão ambiental sai da grande pauta. Porém, no caso do Brasil, aspectos que são acúmulos que o país já tinha, como os marcos regulatórios para a questão florestal, para gestão dos recursos hídricos, para a gestão dos resíduos sólidos e o das mudanças climáticas, esses avanços não são afetados pelo maior ou menor engajamento de uma cúpula como a Rio + 20. Esses aspectos internos avançarão dependendo muito mais da capacidade interna da sociedade de cobrar.
Existe toda uma preocupação com a Amazônia nesse debate a das mudanças climáticas. Que lugar ocupa esta região nesse debate?
Eu avalio que falta mais conhecimento, mas está se construindo com novas pesquisas para validar as percepções da influência das florestas tropicais, não só da Amazônia, porque temos florestas tropicais no Vale do Congo, na África, e na Ásia. Então, sem dúvida nenhuma, essas florestas jogam um papel muito importante no clima mundial. Há divergências entre os cientistas sobre que intensidade exerce essa influência. Porém, não há como negar os impactos.
Nas minhas pesquisas de campo, trabalhando principalmente com agricultores, busco muito captar as percepções deles das mudanças em microclimas, em climas em nível regional, percebidos ao nível de uma geração ou do que eles conseguem reportar a partir de duas ou três gerações. E é interessante o quanto é perceptível uma alteração do regime das chuvas, aumento do período de seca. Em regiões onde tivemos um desflorestamento extensivo com a supressão de água superficial, de igarapés, com o assoreamento de rios, a percepção dessas mudanças é muito forte.
Em relação à pergunta mais geral, sobre qual o papel que a Amazônia joga nessa discussão do clima, eu vejo que nos últimos anos a Amazônia também deixa de ter um papel importante na agenda da discussão de meio ambiente, tanto internamente quanto em nível internacional. Vejamos um indicador, que foi na Rio+20. Houve uma secundarização do papel das florestas tropicais como um todo. O governo brasileiro, apresentando dados que mostram a redução nos desmatamentos, atingindo índices dentro das metas estabelecidas, fazendo o ordenamento territorial que destinou às áreas públicas que eram objetos de maior pressão, enfim, criando um ambiente institucional com maior controle, e assim lançando o foco para outras demandas.
No entanto, as questões estruturais que levam ao desmatamento ainda persistem e a situação de ameaça ainda não foi resolvida. E é uma pena. Por exemplo, as questões da Amazônia estão secundarizadas, praticamente invisíveis dentro da agenda da imprensa. De vez em quando um fato aqui e outro ali, mas uma agenda afirmativa do que seria promover um desenvolvimento para a Amazônia em bases sustentáveis por causa da importância da manutenção das suas florestas, não vemos nada de substancial.
Tivemos avanços no ordenamento territorial, criação de reservas, assentamentos, mas parece que isso não vem acompanhado de uma mudança significativa de qualidade de vida da população que vive nessas áreas. Por exemplo, na Reserva Extrativista Tapajós/ Arapiuns, em Santarém, uma das maiores do país. Embora os moradores tenham maior acesso às políticas públicas básicas, por outro lado, na geração de renda parece que não avançou tanto. O que a senhora acha que está faltando?
Acho que houve avanços institucionais na questão ambiental, no tema das mudanças climáticas. Temos uma política nacional de gestão florestal, uma política nacional de desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais, que inclusive é uma reivindicação política dessas populações que vivem nas reservas. No campo da gestão, o governo Lula deu um choque no avanço da fronteira que estava vindo de forma avassaladora a partir de meados dos anos 1990 a 2005, principalmente com a lei de gestão de florestas públicas, como a criação do Distrito Florestal Sustentável da BR-163. As florestas públicas, passando a ser regidas por conselhos que juntam sociedade e governo, com acesso controlado das empresas a esses estoques.
Enfim, esses anos é como se fossem estruturadores de marcos de regulação, anos estruturadores de políticas que, pela primeira vez, vão dar atenção para setores que antes não tinham. Porém, criar as unidades de conservação sem promover uma economia sustentável nas áreas ocupadas pelos extrativistas, pelos agricultores familiares, sem que tudo isso funcione de uma forma articulada, é deixar essas as áreas continuarem sofrendo pressão.
No entanto, a implementação real de um modelo de desenvolvimento, das reservas extrativistas, ainda não aconteceu para um povo que, em grande medida, não vive só do extrativismo há muito tempo. Vivem também de uma agricultura de subsistência, da pesca. Que sua juventude em grande medida não quer morar na reserva extrativista, quer ir para a cidade. Onde é que vai ser oferecido um emprego pra esses jovens, se esse emprego vai continuar sendo centralizado nas zonas urbanas? Se a condição da renda para eles vai continuar sendo centralizada na cidade, se a produção deles continuar desvalorizada pelo mercado? Vai ser muito difícil segurar esse povo nessas áreas. Se for mantida uma situação de pobreza prolongada em que essas mudanças venham muito lentas, o que vai ocorrer? A própria ideia, a validade da Reserva Extrativista do ponto de vista de dominabilidade por eles poderá vir a ser questionado depois por oportunistas, e eles mesmos abrirem mão dessa modalidade de uso da reserva.
É preciso desenvolver políticas para isso, inclusão produtiva, não é?
Pois é, e é aí que nós temos uma disparidade. A Amazônia também tem uma situação pouco privilegiada em relação às políticas de desenvolvimento do país. Por quê? O Brasil continua pensando, para a Amazônia, o padrão de desenvolvimento que foi realizado e que é dominante nas outras regiões do país. O Brasil não conseguiu pensar em instrumentos de desenvolvimento apropriados para uma vocação florestal.
Olha, o exemplo da Costa Rica, que é muito parecida com a Amazônia Central, um pouco com a Amazônia Ocidental. Lá eles mostram que a economia pode se estruturar a partir de várias modalidades de atrativos turísticos, a partir dos recursos aquáticos e da floresta. Aqui a gente pensa em floresta, mas não pensa em como podemos manejar nossos rios, agregar valor aos produtos da pesca. Em relação à pesca, nós temos o mesmo sistema que nós temos com as florestas. O filé da floresta é exportado, não fica nada aqui. O filé do pescado não fica aqui. A sociedade local fica com os restos.
E nem são gerados sistemas produtivos que promovam uma economia local sustentável…
Exatamente. Não agrega valor, não gera empregos aqui. Nós temos várzeas. Temos que pensar: vou proteger a floresta. Ótimo! Mas se você incrementar uma produção de alimentos nas várzeas, você se torna um exportador de alimentos. Precisamos de uma economia agrícola para a várzea, uma produção de alimentos nas áreas já alteradas, já ocupadas por trabalhadores familiares de forma racional. A floresta utilizada não só de forma exclusivista em torno da madeira, mas buscar o uso múltiplo dessa floresta. Nós podemos ter desde o uso em biotecnologia, até o aproveitamento de subprodutos como resinas, corantes, couros, tecidos, que podem ser desenvolvidos se houver uma política de pesquisa, tecnologia, fomento, crédito, e infraestrutura local. Porque o que acontece é que se busca o asfaltamento da BR-163 [Cuiabá-Santarém], se faz um porto ali para a soja, mas os ribeirinhos, os trabalhadores rurais continuam sem infraestrutura nenhuma para sua produção.
O que nós temos são macropolíticas para macroagentes econômicos, e a economia real, que está aqui em baixo que pode ser desenvolvida para ocupar uma mão de obra da região, não está ainda enquadrada nas políticas públicas. Nós temos esse vácuo. Nossos rios não estão sendo pensados para a pesca, estão sendo pensados para a energia. Nossos minérios estão quase todos em fase de pesquisa e sendo exportados dentro do modelo antigo.
Então, eu vejo avanços em relação a marcos regulatórios, em ordenamento territorial, em sistemas de gestão, mas em relação à economia ainda vemos se reproduzir um modelo tradicional, atrasado e reducionista em relação às potencialidades econômicas da região. E ainda autoritário, porque é de fora que vêm as grandes decisões sobre o que vai ser investido na região.
Com a implantação da UFOPA em Santarém, tem se mostrado um grande potencial como pólo acadêmico, de pesquisa, de produção de conhecimento. Qual pode ser a contribuição da UFOPA para esse potencial de desenvolvimento sustentável para a região?
Tem potencialmente muita contribuição a dar, mas depende da estratégia como a universidade vai dialogar com a realidade regional. Hoje eu vejo a UFOPA ainda dialogando muito pra dentro, e os seus professores e pesquisadores muito ocupados em seus projetos, alguns projetos de extensão que são louváveis, mas ainda não causam impacto realmente nas estratégias produtivas, no processo de gestão do recurso natural ou na valorização econômica dos produtos.
Então, para a UFOPA produzir realmente um efeito de longo prazo, precisa produzir conhecimentos para influenciar nas bases produtivas, influenciar na forma como os recursos naturais são geridos, com ampla participação da sociedade local, buscado modelos industriais apropriados pra região. Deve influenciar na forma como se usa as matérias-primas florestais e também os recursos aquáticos. Ela tem todo esse potencial, mas vai depender de uma estratégia de inserção dela na realidade regional pra poder alcançar esses resultados.
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