sábado, 19 de agosto de 2017

Erros de delegada favorecem peemedebistas na Lava Jato


Senadores e ministros do TCU estão entre possíveis favorecidos por medidas da PF
 
Jornal GGN - No posto mais alto da carreira de delegada da Polícia Federal, Graziela Machado da Costa e Silva foi efetivada em 2012 à Classe Especial, última categoria adquirida pelos delegados. Em três episódios polêmicos da Operação Lava Jato, é ela quem assina o arquivamento de inquéritos contra políticos ou comete erros que podem ocasionar a anulação de toda uma investigação. 
Seus atos já foram confrontados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e também criticados pelo ex-relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro falecido Teori Zavascki. O GGN fez um levantamento destes casos e situações que ocasionaram o arquivamento de apurações contra políticos, em casos de falta de indícios que feriram imagens por tempo injustificadamente prolongado, e outros que mesmo com o avanço de provas foram engavetados.
Pelo posto que ocupa, seu nome apareceu pontualmente e em poucas situações desde o início das apurações da Polícia Federal nos crimes relacionados à Petrobras. A fim de verificar quando ingressou na carreira, o GGN acessou os dados da Transparência para servidores civis e militares do Ministério da Justiça. No sistema, foi possível identificar que integra a PF desde outubro de 2002, chegando ao atual cargo em 2012. 
Como delegada de Classe Especial, ela tem a atribuição de, além das já previstas nos cargos inferiores, também instruir e orientar policiais e servidores administrativos da PF em suas atividades e atuar em situações diplomáticas. Para se chegar à este nível, o Decreto nº 7014 de 2009 estipula que o servidor precisaria cumprir um mínimo de 13 anos de carreira: três anos para ser promovido da terceira à segunda classe, cinco para atingir a primeira e mais cinco para a classe especial.
ARQUIVAMENTOS 
A primeira das aparições da delegada envolve três senadores em duas situações opostas: contra dois deles foi empenhado mais de um ano para vasculhar indícios e nada foi encontrado, chegando-se ao arquivamento dos casos; e um terceiro, avanço com significativas coletas de indícios, mas o mesmo fim pelo engavetamento. 
Em junho de 2015, Graziela envia ao Supremo Tribunal Federal um documento apontando haver "elementos iniciais suficientes" que confirguram crimes de corrupção envolvendo as campanhas de três senadores, a partir dos levantamentos da Operação Lava Jato. As miras foram os parlamentares Humberto Costa (PE), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Valdir Raupp (PMDB-RO).
"Informação policial compilou alguns dados de doações eleitorais que denotam a relevância e protuberância dos valores despendidos por empresas privadas, especialmente as contratadas pela Petrobrás". As suspeitas sobre os senadores petistas partiram das delações do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa que narrou ter repassado R$ 1 milhão à campanha de Costa por meio de doação eleitoral e, nos mesmos moldes, à campanha de Lindbergh Farias.
Já contra o peemedebista, as acusações partiram do executivo Othon Zanoide de Morais, do Grupo Queiroz Galvão, de que Valdir Raupp teria recebido R$ 500 mil por empresas beneficiadas no esquema de carteis junto à Petrobras. Neste caso, houve um avanço nas diligências: além dos depoimentos, os investigadores já haviam levantado material de doações eleitorais, faltando apenas analisar os documentos.
Com as informações, Teori autorizou o prosseguimento das investigações até final de agosto daquele ano. Os casos seguiram separadamente e somente um ano depois, Graziela Machado indicia Valdir Raupp:
"Reunindo desde a tomada de diversas declarações, análise de passagens aéreas, vínculos societários e familiares, cruzamento de extratos telefônicos dos envolvidos, foi possível confirmar a implicação do Senador Valdir Raupp e de Maria Cléia Santos, assessora do senador, feita pelos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, assim como revelar a participação de Pedro Roberto Rocha, também responsável pela assinatura dos recibos eleitorais das doações promovidas pela Queiroz Galvão", disse a delegada, em documento ao STF.
Imediatamente após tomar conhecimento, a defesa de Raupp ressaltou que o STF não havia autorizado o indiciamento do parlamentar, o que estava vetado, colocando em risco todas as diligências. Zavascki confirmou o alerta do advogado e, em despacho, suspendeu a investigação contra o peemedebista e fez duras críticas à delegada:
"Esse ato [indiciamento], pelo menos neste juízo inicial, estaria usurpando a competência deste Tribunal, pois compete exclusivamente ao relator a supervisão judicial de inquérito que tramita nesta Corte, incluindo a autorização de indiciamento de pessoas com prerrogativa de foro. (...) Conforme indica a jurisprudência, é inviável indiciamento promovido pela autoridade policial em face de parlamentar investigado no âmbito desta Corte", disse Zavascki, em junho de 2016.
Com o petista Humberto Costa, foi preciso passar mais de um ano para a delegada concluir que "esgotadas as diligências vislumbradas por esta autoridade policial, não foi possível apontar indícios suficientes de autoria e materialidade e corroborar as assertivas do colaborador Paulo Roberto Costa". 
O ex-diretor de serviços da Petrobras, Paulo Roberto Costa, havia mencionado que o empresário Mário Beltrão, próximo do senador, o procurou em 2010 para pedir doações à campanha de Costa. O dinheiro teria partido da empresa White Martins, interessada em contratos relacionados às obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Mas os delegados não encontraram nenhuma provade que o pedido do amigo do parlamentar envolveu qualquer tipo de compromisso de irregularidades junto à Petrobras. 
Assim, após as buscas, restou "um panorama de dúvidas sobre as reais tratativas" das reuniões do suposto repasse e que os contratos sequer foram executados. Por isso, a investigação foi arquivada.
Se no caso de Humberto Costa foi necessário pouco mais de um ano para concluir pela falta de ilícitos, a delegada levou um ano e meio para arquivar as suspeitas sobre Lindbergh Farias (PT-RJ). Após os 18 meses de apurações, só restaram dúvidas às acusações de que o senador teria pedido R$ 2 milhões a Paulo Roberto Costa, em 2010.
"Os resultados das diligências realizadas, conquanto não infirmem as mencionadas declarações, não foram capazes de reforçá-las, persistindo até mesmo dúvidas em relação a circunstâncias essenciais dos fatos aqui versados, tais como o local da primeira reunião entre o investigado e o ex-diretor da petrolífera e a suposta pessoa que teria repassado os dois milhões de reais", informou o procurador-geral, Rodrigo Janot, após arquivo enviado por Graziela Machado da Costa e Silva ao Supremo.
Já no caso contra Valdir Raupp, o cenário era outro: os investigadores encontraram indícios, registros de encontros para acerto de repasses, conversas e telefonemas entre os investigados, anotações em agenda. Tais elementos, apresentados ainda no início das apurações, já foram considerados pelo relator Edson Fachin, em março deste ano, como "suficientes para aceitar a denúncia".
"Os indícios apontados convergem então para a possível prática do crime de corrupção passiva majorada pelo denunciado Raupp e ao menos na condição de participe por Paulo Rocha e Maria Cleia", havia destacado o ministro do STF, quando tornou Raupp réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de R$ 500 mil de propina, na forma de doação oficial à campanha ao Senado, em 2010.
Após ter acesso aos levantamentos feitos pela PF, enviados ainda em junho de 2016, a Procuradoria-Geral da República denunciou que Valdir Raupp pediu ajuda ao ex-diretor da Petrobras para obter as doações, feitas por intermédio do lobista Fernado baiano. O doleiro Alberto Yousseff teria acertado com uma assessora do senador que a doação viria pela construtora Queiroz Galvão, que mantinha contratos com a estatal.
Mas a conclusão da PF mudou completamente com o novo relatório, enviado nesta semana ao Supremo: "Não foram colhidos elementos suficientes no sentido de que a atuação do senador foi precedida ou sucedida da solicitação de vantagens indevidas, configurando o crime de corrupção passiva", disse Graziela Machado, manifestando apenas que "o lobby" de Raupp pode ser "moral e eticamente questionável", abandonando os indícios anteriormente coletados. 
NÃO QUISERAM 'ESTANCAR A SANGRIA'
Foi em julho deste ano que a delegada Graziela Machado da Costa e Silva teve seu nome estampado nas principais manchetes, após assinar relatório concluindo que os peemedebistas José Sarney, Romero Jucá e Renan Calheiros não tentaram obstruir a Operação Lava Jato e "estancar a sangria", conforme diálogo deles mesmos em grampo de Sérgio Machado.
O objetivo do documento era indicar que a delação do ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, estava desqualificada. Para ela, a estratégia de Machado de oferecer como prova os diálogos gravados entre os caciques do PMDB não comprovavam a prática de crimes de obstrução e contra administração da Justiça e teria sido feita apenas para o investigado - Sérgio Machado - se ver livre da prisão.
 
"Tem-se no caso presente que as conversas estabelecidas entre Sérgio Machado e seus interlocutores, limitaram-se à esfera pré-executória, ou seja, não passaram de meras cogitações (...) É preciso mais. Concluo que, no que concerne ao objeto deste inquérito, a colaboração que embasou o presente pedido de instrução mostrou-se ineficaz", entendeu Graziela, sugerindo a anulação do acordo de colaboração premiada do ex-diretor da Transpetro.
"No que concerne ao objeto deste inquérito, a colaboração que embasou o presente pedido de instauração mostrou-se ineficaz, não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados, resumidos estes a diálogos gravados nos quais é presente o caráter instigador do colaborador quanto às falas que ora se incriminam", completou.
Entretanto, as 59 páginas do relatório de Graziela miram na suposta tentativa dos peemedebistas em suas conversas e encontros de não remeter o caso de Sérgio Machado ao juiz da Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. A delegada, entretanto, não faz a análise de "estancar a sangria" com o que realmente estava sendo discutido pelos políticos: a queda da então presidente Dilma Rousseff.
"Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria", é a íntegra da famosa frase de Romero Jucá. Com ou sem a intenção, a delegada não fez a análise sob este ponto de vista e focou na tentativa de persuasão dos peemedebistas de pressionarem Teori Zavascki, então relator da Lava Jato, a não enviar a investigação de Sérgio Machado a Moro.
Como resultado, a delegada do maior posto da Polícia Federal concluiu que não houve tentativa e estancar a sangria da Operação Lava Jato por José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá.
ERROS AMEAÇAM SOBREVIVÊNCIA DE INQUÉRITO
O último caso polêmico por medida tomada por Graziela Machado da Costa e Silva foi similar ao primeiro: desde junho de 2015, a Polícia Federal analisa o esquema de corrupção passiva para favorecer a empreiteira UTC nas obras da usina de Angra 3. Agora, aparentes erros de peritos da PF podem colocar em risco toda a investigação. 
As suspeitas recaem contra o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Raimundo Carreiro, o ministro Aroldo Cedraz e seu filho, advogado Tiago Cedraz, além dos senadores Edison Lobão (PMDB-MA), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR). 
Apesar de ter início há mais de dois anos, o último relatório dos delegados foi enviado em julho ao Supremo Tribunal Federal (STF): assinado por Graziela Machado da Costa e Silva, o material estava pronto para o preparo da denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Se não fosse pelos erros.
O dono da UTC, Ricardo Pessoa, narrou que Tiago Cedraz pediu R$ 1 milhão ao ministro Raimundo Carreiro, do TCU, que era relator do processo relacionado à Angra 3 no Tribunal. Depois do repasse, o contrato de Angra 3 no Tribunal "fluiu", disse o empreiteiro. Além de Pessoa, delatores da Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht confirmaram os ilícitos. 
Neste caso, Renan e Jucá teriam recebido doação eleitoral em 2014 como propina desde que Edison Lobão, então ministro de Minas e Energia e liderança do PMDB, garantisse o consórcio da UTC como vencedora da licitação das obras de montagem eletromecânica da Usina de Angra 3.
"Ficou claro que os senadores foram remunerados pela representatividade dentro do PMDB e deste no Ministério de Minas Energia, ao qual estava vinculada a Eletronuclear, a quem o consórcio liderado pela empresa de Ricardo Pessoa havia firmado contrato para execução de obras da Usina Nuclear de Angra 3", apontava Graziela.
Entretanto, o relatório da PF trouxe como meios de provas telefonemas entre os envolvidos, para comprovar a intenso contato entre os investigados para os acordos, sobretudo em datas próximas da votação do TCU. Erros grosseiros foram identificados nas análises dessas chamadas telefônicas, atribuídas a pessoas das quais não correspondiam os equipamentos.
Apesar de seguir defendendo as conclusões do relatório, os diversos erros cometidos levaram à conclusão de mais de 14 mil registros de telefonemas entre investigados, de forma equivocada. A PF deverá, agora, recalcular e reanalisar as comunicações entre os investigados, o que além de atrasar o andamento do inquérito traz riscos à confiança das apurações e, consequentemente, à sobrevivência do inquérito contra os peemedebistas e ministros do TCU.

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