sábado, 23 de setembro de 2017

APÓS MINISTRO FANFARRÂO ANUNCIAR PACIFICAÇÃO ROCINHA TEM NOVOS TIROTEIOS


Após um breve período de aparente tranquilidade, foram registrados novos tiros na 
comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro, na madrugada deste sábado (23). Disparos foram 
ouvidos por volta de 4 horas, segundo relatos de moradores, informou a Polícia Militar (PM); 
ontem à noite, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou que a comunidade estava 
pacificada.

O RICO SE DROGA E O POBRE LEVA PORRADA


O PROBLEMA DA ROCINHA NÃO É O TRÁFICO: É A DESIGUALDADE SOCIAL!
No sexto dia consecutivo de tiroteios na Rocinha, o Rio continua tentando entender o que se passa nos becos da favela que sofre desde domingo com a guerra entre traficantes. Mesmo à distância, de sua casa em Londres, o jornalista inglês Misha Glenny se mantém informado sobre os últimos acontecimentos na Rocinha. Em seu livro “O Dono do Morro”, publicado ano passado pela Companhia das Letras, narrou a história do homem que, antes de ser Nem, chefe do tráfico mais procurado da cidade, era Antônio, responsável pela distribuição das revistas NET para assinantes até entrar no crime, a dois dias de completar 24 anos. Para escrever o livro, o jornalista chegou a morar na favela e gravou 28 horas de entrevistas com Nem na cadeia.
Ainda não se sabe exatamente como Antonio Bonfim Lopes, preso no porta-malas de um Corolla em 2011, na Lagoa Rodrigo de Freitas, teria ordenado da penitenciária federal de Porto Velho a expulsão do traficante Rogério Avelino, o Rogério 157, seu sucessor no comando dos bandidos. Glenny afirma que “sempre soube que Nem estava intimamente envolvido com o funcionamento da favela porque outras pessoas envolvidas com isso me diziam”. Segundo o jornalista, “o foco total de Nem é a Rocinha”.

Você está acompanhando os últimos acontecimentos na Rocinha?
Misha Glenny: Tenho acompanhado tão perto quanto posso, conversando com pessoas da Rocinha e de outras partes da cidade. Embora eu esteja surpreso com a intensidade da luta que começou no domingo, soube há vários meses que havia tensão dentro da facção ADA na Rocinha.
Era um conflito previsível?
MG: Não é apenas uma divisão entre Nem (Antônio Bonfim Lopes) e Rogério Avelino. Este conflito tem relação com o colapso da UPP, a falência do Rio, a guerra que se inicia entre Comando Vermelho e PCC, e também a incapacidade dos vários ramos da Justiça de se comunicarem adequadamente. Nesse sentido, o conflito era previsível. Desde 2005, a Rocinha tem sido uma das comunidades mais estáveis do Rio, com algumas das menores taxas de criminalidade e violência. O fato de a violência ter retornado é obviamente um mau sinal para a comunidade, mas é muito ameaçador para a cidade como um todo.
Você achou que Nem deixaria o comando do tráfico na cadeia?
MG: Sempre soube que ele estava intimamente envolvido com o funcionamento da favela porque outras pessoas envolvidas com isso me diziam. Espero que ele faça o que me disse que faria, que é parar seu envolvimento quando finalmente sair da prisão.
Nem se preocupava com a Rocinha na cadeia?
MG: O foco total dele é a Rocinha. Seu mundo inteiro é a Rocinha e ele sempre esteve preocupado com o fato de ela se tornar instável. Não teve grandes problemas com a UPP até o assassinato de Amarildo, em 2013. Depois disso, parecia preocupado que a instabilidade voltasse à favela.
Rogério Avelino costuma publicar fotos no Facebook em que aparece com colares e anéis de ouro em todos os dedos das mãos. De acordo com pessoas que vivem na Rocinha, ele começou a explorar os próprios moradores. Que tipo de conseqüência essa mudança de perfil pode ter trazido?
MG: Até eu visitar a Rocinha e conversar com pessoas lá, não posso dar uma resposta definitiva. Eu suspeito que, se as pessoas foram hostis a ele, não teria sido apenas por sua personalidade, mas também pelo fato de que sua liderança não era clara. Li os relatos sobre como Rogério assumiu funções de milícia, como taxar o gás e outros serviços essenciais. Se ele fez isso, foi um erro.
Dentro da Rocinha, as pessoas vêem Nem como uma figura positiva. Que Nem você conheceu na prisão?
MG: Na prisão ele de fato era uma figura positiva. Era tratado com respeito pela equipe da penitenciária e, em troca, também tratava a todos com respeito. Ele foi extremamente pensativo ao responder as perguntas, tanto as difíceis quanto as fáceis. Posso entender por que as pessoas que estão fora da Rocinha têm uma visão negativa dele e, embora seu poder na favela tenha se apoiado no monopólio sobre a violência na comunidade, as estatísticas demonstram que ele evitou a violência - quando era chefe da Rocinha, os homicídios caíram significativamente não apenas na Rocinha, mas em São Conrado, Gávea, Vidigal e Leblon.
Você confirma em seu livro que o major Edson Santos, comandante da UPP da Rocinha quando Amarildo foi assassinado, transformou a unidade "em uma espécie de milícia em que até os traficantes de drogas estavam pagando policiais". A corrupção policial foi um dos fatores responsáveis pela falência da UPP na Rocinha?
MG: Depois de Amarildo, o então secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, sabia que, se não abordasse a questão da corrupção policial na Rocinha, as UPPs entrariam em colapso em toda a cidade. Beltrame manteve a coisa funcionando por um tempo. Mas a administração de Sérgio Cabral nunca esteve interessada em apoiar a UPP policial com uma bem gerida UPP Social, que recebesse os recursos adequados. Com a crise econômica da cidade, especialmente após as Olimpíadas, ficou claro que o experimento corajoso de Beltrame morreria. Agora é um projeto fantasma.
Com o fracasso da UPP, o que poderia trazer estabilidade à Rocinha?
MG: Isso depende do Brasil. Este é um país em estado de trauma constitucional e político. Acredito que a operação Lava Jato e investigações associadas finalmente estão iluminando a profunda relação de corrupção entre negócios e política, e o sistema político disfuncional que surgiu após 1988. O Brasil continua sendo o país com o potencial mais inimaginável. Cabe às elites decidir se querem se envolver em um verdadeiro projeto de renovação nacional ou se preferem continuar com uma sociedade de desigualdades indescritíveis.
Como a paz foi mantida a partir de 2005?
MG: A partir de Lulu (Luciano Barbosa da Silva, chefe do tráfico querido pelos moradores até ser morto em uma operação do Bope), a Rocinha prosperou por três razões: os chefes cultivavam o apoio da comunidade; o isolamento geográfico em relação a outras favelas, especialmente complexos do Alemão e da Maré, que permitiu uma sensação de segurança em relação ao Comando Vermelho; um mercado vibrante para vender cocaína no Leblon, na Gávea e em São Conrado. Se Rogério ultrapassasse os limites com a comunidade, é perfeitamente concebível que todos acolheriam as forças de Nem.
Você veio ao Brasil enquanto estava escrevendo seu livro "McMafia". O que o fez se interessar pela Rocinha e por Nem?
MG: A questão mais importante do Brasil é a desigualdade. Se Nem tivesse crescido numa família de classe média respeitável, com uma educação adequada, teria sido um excelente empresário. Ele acabou no negócio das drogas porque sua filha de 10 meses ficou doente e ele não podia pagar o tratamento. Ele era um membro respeitável da sociedade, trabalhava duro e ganhava pouco. Ele entrou para o tráfico porque realmente não tinha escolha.
(...)

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